Quando ouvimos algo repetidas vezes, por algum tempo, temos a tendência de abraçar isso como se fosse uma verdade.

Talvez como eu, você tenha nascido em um lar cristão, ou simplesmente esteja há tempo o suficiente na igreja, para que muitos conceitos tenham sido tomado como verdadeiros sem serem julgados à luz da Bíblia.

Na verdade a própria palavra “julgar” tomou uma conotação muito pejorativa no meio evangélico, como um dos piores pecados espirituais. Afinal de contas, Jesus nos ensinou a não julgar:

“Não julguem para não serem julgados, pois vocês serão julgados pelo modo como julgam os outros. O padrão de medida que adotarem será usado para medi-los. Por que você se preocupa com o cisco no olho de seu amigo enquanto há um tronco em seu próprio olho? Como pode dizer a seu amigo: ‘Deixe-me ajuda-lo a tirar o cisco de seu olho’, se não consegue ver o tronco em seu próprio olho? Hipócrita! Primeiro, livre-se do tronco em seu olho; então você verá o suficiente para tirar o cisco do olho de seu amigo.” Mateus 7:1-5

Lemos este texto, e com a ajuda do pensamento que muitas vezes é difundido no meio evangélico, abraçamos uma verdade distorcida ou limitada: Julgar é mesmo algo terrível!

Mas o apóstolo Paulo nos diz algo muito interessante em sua primeira carta aos coríntios.

“Porém o homem espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém. Pois quem conheceu a mente do Senhor, que o possa instruir? Nós, porém, temos a mente de Cristo.” 1 Coríntios 2:15-16

Paulo está dizendo aqui, que um homem que caminha no Espírito de Deus é um homem que julga todas as coisas. E este não é o único texto em que Paulo associa a ação do Espírito com julgamento.

“Não apagueis o Espírito. Não desprezeis profecia; julgai todas as coisas, retende o que é bom” 1 Tessalonicenses 5.19-21

Mas por que deveria eu julgar, se existe apenas um Juiz, que é Deus? Como posso eu julgar alguém, se Jesus disse que eu não devo julgar para não ser julgado, e que com a mesma medida com que eu julgar, assim também serei julgado?

Se Paulo diz que o homem espiritual julga todas as coisas, como faço para conciliar este texto com todos os outros que dizem que não devo julgar?

Isso soa estranho pra você? Vamos entender algumas coisas, e tentar trazer harmonia entre estes textos que parecem contraditórios.

Sacrifício Vivo, Santo e Racional

“Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis os vossos corpos por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e per- feita vontade de Deus.” Romanos 12.1-2

Temos uma forte tendência de colocar tudo que é espiritual como se fosse oposto à razão. Como sempre diz minha amada esposa Dani: “Não sabemos ser espiritualmente naturais e naturalmente espirituais”.

Deus, por Seu Espírito, nos dá a fé e a revelação para crermos e entendermos; e nos dá a razão para confirmar e dividir com outros a fé e o entendimento.

Não estou pregando aqui sobre uma busca pela razão ou por decisões lógicas que excluem a revelação do Espírito, mas sim sobre o verdadeiro conhecimento de Deus e de Sua Palavra. A fé que Deus gerou em meu coração me fez crer em Sua Palavra; crendo, a estudo e medito nela dia e noite, assim a razão aprofunda e confirma a minha fé.

A razão não me faz deixar a ação e liberdade no Espírito de lado, pelo contrário. Com minha razão estudo a Palavra de Deus e confirmo aquilo que primeiramente o Espírito gerou em meu coração, por fé. Meu entendimento racional trabalha em parceria com a fé. A revelação do Espírito traz vida e luz àquilo que li com minha razão nas Escrituras.

A revelação vem do Espírito, mas com minha razão confirmo o que o Espírito me diz. Então estou firmado no Espírito, na revelação e no entendimento da Palavra. Fé e razão não são opostas, elas são complementares e uma reforça a outra. A revelação acontece quando aquilo que eu li nas Escrituras com minha razão, recebe a vida do Espírito. É uma sinergia.

Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança, com a capacidade de pensar, escolher, amar, e é isto que nos diferencia em toda a Sua criação.

O apóstolo Paulo nos ensinou que um homem dirigido pelo Espírito julga todas as coisas, e que nosso sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, é racional.

O apóstolo também nos disse, em 1 aos Coríntios 14, que se ele ora em línguas, seu espírito de fato ora, mas sua mente fica infrutífera. O que faz ele então? Ora em espírito, mas também ora com a mente. Tudo isto enfatiza a importância de que tudo que vivemos em Espírito deve também ser manifestado a nossa mente, pois caminhamos sobre a revelação que temos de Deus. O que é a revelação, senão as verdades do Espírito trazidas ao nível da consciência, da mente, e da razão?

O maior de todos os mandamentos é:

“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo teu entendimento”.

O entendimento está no nível da razão. Meu espírito pode orar sem que minha mente tenha conhecimento do que está sendo orado, mas a partir do momento em que tomo conhecimento do que está sendo ministrado pelo Espírito, isto é revelação. Por isso, um homem que tem sua vida tomada pelo Espírito de Deus, julga todas as coisas. Ele tem a mente de Cristo, então ele vê com os olhos do Espírito, e discerne as coisas Espiritualmente. O que estava encoberto, então se torna claro, e a razão confirma a revelação.

“Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito, por que o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus.” 1 Coríntios 2.10

Não julgueis para que não sejais julgados

Já vi várias pessoas dizendo que a forma de alinharmos este texto de Mateus 15, com o de 1 Coríntios 2.15-16, onde Paulo diz que o homem espiritual julga todas as coisas, é entender que julgar coisas é muito diferente de julgar pessoas. Então, como homens espirituais, julgamos coisas, mas nunca pessoas. A resposta faz sentido, mas acredito que a questão é mais profunda que isto.

No mesmo capítulo 7 do evangelho de Mateus, logo em seguida de Jesus dizer que não devemos julgar para não sermos julgados, Jesus diz:

“Tomem cuidado com falsos profetas que vêm disfarçados de ovelhas, mas que, na verdade, são lobos esfomeados. Vocês os identificarão por seus frutos. É possível colher uvas de espinheiros ou figos de ervas daninhas? Da mesma forma, a árvore boa produz bons frutos, e a árvore ruim produz frutos ruins. A árvore boa não pode produzir frutos ruins, e a árvore ruim não pode produzir frutos bons. Toda árvore que não produz bons frutos é cortada e lançada no fogo. Portanto, é possível identificar a pessoa por seus frutos. Mateus 7:15-20

Jesus não está falando apenas para Seus discípulos, Ele está ensinando a multidão, e diz: “Tomem cuidado com os falsos profetas”

Jesus está alertando aquele povo de que pessoas viriam até eles, e inicialmente alguns pareceriam parte do rebanho; outros pareceriam ser profetas, mas, na verdade, acabariam por se revelar lobos e falsos profetas. E como eles descobririam que os profetas falsos e os lobos? Pelos frutos, pelas atitudes, pelo testemunho. Eles poderiam olhar para estas coisas, e descobrir quem é a pessoa.

Espere aí! Mas isso não seria uma forma de julgar estas pessoas?

Claro que sim!

Jesus está sendo muito claro. Ele não está dizendo que pelos frutos poderíamos conhecer apenas o fruto. Mas que olhando para o fruto, podemos reconhecer a árvore que o gerou. Ele está dizendo que olhando para os frutos poderíamos julgar quem é a pessoa.

Você olha para os frutos e conhece a árvore. Sabemos que aquele que mente, é mentiroso. Que o que rouba, é ladrão. O que adultera, é adúltero. Olhamos para os frutos e descobrimos quem é a pessoa.

Isso não seria uma forma de estar julgando estas pessoas?

Claro que sim!

Nas cartas às igrejas do Apocalipse, o Senhor Jesus fala diretamente à liderança das igrejas sobre a importância deste tipo de julgamento:

À igreja de Éfeso:

“Conheço as suas obras, o seu trabalho árduo e a sua perseverança. Sei que você não pode tolerar homens maus, que pôs à prova os que dizem ser apóstolos, mas não são, e descobriu que eles eram impostores”. Apocalipse 2.2

O apóstolo Paulo também deixa muito claro a importância deste tipo de julgamento em 1 Coríntios 5.9-12:

“Já lhes disse por carta que vocês não devem associar-se com pessoas imorais. Com isso não me refiro aos imorais deste mundo, nem aos avarentos, aos ladrões ou aos idólatras. Se assim fosse, vocês precisariam sair deste mundo. Mas agora estou lhes escre- vendo que não devem associar-se com qualquer que, dizendo-se irmão, seja imoral, avarento, idólatra, caluniador, alcoólatra ou ladrão. Com tais pessoas vocês nem devem comer. Pois, como ha- veria eu de julgar os de fora da igreja? Não devem vocês julgar os

que estão dentro? Deus julgará os de fora. “Expulsem esse perverso do meio de vocês”.

Paulo mostra aqui, não apenas a importância de se olhar para os frutos e poder julgar uma pessoa como imoral e perversa, mas ele fala sobre a forma de lidar com esta pessoa.

O apóstolo ressalta: “Pois, como haveria eu de julgar os de fora da igreja? Não devem vocês julgar os que estão dentro?” Então o apóstolo diz que com estas pessoas não devemos nem mesmo sentar para comer juntos. E ele fala sobre o nível máximo de correção que alguém pode sofrer, quando esta pessoa deve ser afastada da comunhão, separada do Corpo. Ele diz: “Expulsem esse perverso do meio de vocês”.

Quando Paulo diz que o homem espiritual julga todas as coisas, creio que este tipo de julgamento está incluído no pacote. Mas como devemos então entender as palavras de Jesus, dizendo que não devemos julgar para não sermos julgados?

Tanto no grego, como no português, temos dois sentidos muito distintos para a palavra “julgar”:

A palavra grega traduzida no texto de Mateus 7.1 como “julgueis”, é a palavra “krínete”, que tem seu significado no sentido de exercer juízo, ou seja: sentenciar, dar a condenação, exercer justiça. Esta palavra, tem um sentido de julgamento, diferente da do texto de 1 Coríntios 2.15.

A palavra em Coríntios traduzida como “julgar”, é a palavra grega “anakínei”, e pode ser traduzida como “julgar”, no sentido de: examinar, analisar, verificar.

Não podemos julgar a ninguém, no sentido de exercer juízo sobre uma pessoa. Isto pertence somente a Deus, Ele é o Justo Juiz. Mas como poderíamos, nós que temos a mente de Cristo, não separar o que é santo do que é profano, o puro do impuro, o correto do incorreto, a verdade do engano? Como homens espirituais, precisamos julgar isto a todo tempo e em todas as situações. Se nós que temos a mente de Cristo, temos a Palavra de Deus, temos o Espírito da verdade, não temos condições de julgar aquilo que é certo e o que é errado, quem tem então? O mundo? De forma alguma.

Da mesma forma, todo ensino, toda instrução, toda interpretação bíblica que recebemos deve ser julgada à luz da própria Bíblia. Julgar nos sentido de examinar, analisar, verificar tudo à luz da Palavra não é apenas um direito, mas um dever de todo homem e mulher espiritual.

No final de minha adolescência, quando comecei a estudar a Bíblia por mim mesmo, passei a descobrir que muitos dos conceitos prontos que eu havia recebido não estavam realmente de acordo com as Escrituras. Muitos paradigmas foram e continuam sendo quebrados.

O que é ser espiritual? O que é ser dirigido pelo Espírito? Será que como profetas, devemos sujeitar o Espírito Santo a nós, ou nos sujeitar a Ele? Essas são algumas das perguntas que tentarei responder biblicamente no livro “Marcados Pelo Espírito”. Tenho certeza que você será conduzido a repensar muitos conceitos, e será provocado a viver novas experiências com o Espírito de Deus, que é chamado de Espírito da verdade!

Farley Labatut

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